É bastante coerente que Ghost Song seja de um gênero de jogos sobre tatear os possíveis caminhos, encontrar coisas mais ou menos sem querer querendo e tentar desenvolver alguma memória em uma linha de pensamento unindo esses dois aspectos. É notório que também seja uma obra com suas muitas mudanças e turbulências ao longo dos 9 anos entre seu anúncio no Kickstarter e a publicação, em Novembro de 2022. Ghost Song é, no fim das contas, um jogo sobre se encontrar e reposicionar mediante o que aparece pelo caminho.
Controlamos a enigmática Deadsuit, ou Blue, em um “planeta” desconhecido e hostil. Aparentemente a nave dela caiu ali, embora não seja a única pois há um campo puxando embarcações espaciais para o local. O principal e importante grupo de NPCs com os quais mais interagimos ao longo da jornada é justamente uma equipe “naufragada” nesta lua. Nosso objetivo prático, então, é ajudar essa turma a conseguir as 5 peças para arrumar a espaçonave e ir embora.
Após um trecho tutorial, chegamos nessa nave e então temos cinco pontos vagos marcados indicando os objetivos em nosso mapa, bem como recebemos a informação de que um destes é o melhor lugar para começar. Veja, invariavelmente chegaríamos nele pela forma como os outros espaços estão bloqueados sem as habilidades a serem colecionadas. Tendo em vista essa estrutura e o aspecto visual do game, uma comparação é inevitável.
Ghost Song apareceu no Kickstarter deixando bem claras as suas duas influências: Super Metroid e Dark Souls. Assim como a vida, o desenvolvimento de jogos independentes não é um morango, e a coisa demorou mais do que o esperado para acontecer. Nesse meio tempo, uma obra seminal e muito reverenciada foi publicada em 2017 a partir de influências similares. Independente do resultado da associação, é impossível bater o olho em Ghost Song e não lembrar de Hollow Knight.
Dessa forma, Ghost Song enquanto obra recebe a ingrata e até certo ponto injusta tarefa de se posicionar para além tanto de suas referências, quanto de seu primo mais velho e muito mais famoso. A narrativa do título passeia bastante por esse campo: o que nos faz e como nos fazemos a nós mesmos? Há qualquer coisa para além dos ruídos de fantasmas do que veio antes?
Para trilhar tal caminho, temos acesso imediato a mecânica central de Ghost Song; ao atirarmos com nossa arma principal, seja o tiro comum ou especial, o canhão vai superaquecendo. Ao ficar mais quente, o fluxo de tiros diminui consideravelmente, porém nosso ataque físico fica bem mais forte. Soma-se a essa proposição o fato de que quanto mais perto dos inimigos estamos, mais dano dão os nossos projéteis. Um dos primeiros power-ups disponíveis é o dash, usado tanto para movimento quanto para passar pro outro lado dos inimigos durante os frames de invencibilidade.
Outros tiros adquiridos ao longo da campanha, alguns dos quais escondidos atrás de paredes falsas ou de salas com mini-chefes, também funcionam a partir da dualidade perto/longe. Dessa maneira, a questão em Ghost Song é alternar entre os projéteis e golpes físicos próximos, respeitando o esquentar e esfriar do canhão, enquanto dialogamos com o risco/recompensa de se aproximar e precisar fugir.
Considerando a forma como nos movimentamos pelo cenário e vamos, gradativamente, acessando novos locais a partir das habilidades conseguidas, Ghost Song é bastante simples. Em outras palavras, os power-ups são bem convencionais. Não há nada aqui como a “projeção infinita” de Hollow Knight, o “glitch” para atravessar paredes em Axiom Verge ou o uso da forma bola em “half-pipes” do Metroid Prime. A receita é direta: pulos duplos ou triplos, wall jump, dash, e armas que desbloqueiam certas seções.
Os tiros especiais, entretanto, são um pouco mais interessantes e com variações entre eles, além de encaixarem bem no tipo de combate proposto aqui. Tais projéteis vêm dos módulos de arma, mas existem também os módulos de funcionamento geral, e a partir deles é possível ver HP dos inimigos, ter aquecimento da arma mais ou menos rapidamente, além de outras mudanças para desenvolver estratégias e builds mais específicas.
O mapa de Ghost Song é de tamanho mediano, não é nem o absurdo de Hollow Knight, muito menos uma proposta metroidvania pocket como Gato Roboto: estamos olhando para cerca de 10 horas de jogo. Algumas áreas são interessantes do ponto de vista do design, mas aqui também as coisas são convencionais. Existe uma proposta instigante, entretanto: cada peça para reconstruir a nave que encontramos, só pode ser retornada para ela sem utilização do sistema de viagem entre pontos. Nesses caminhos, existem tipos de robôs que só são ativados quanto estamos com as peças, alterando um pouco a cena e propondo um desafio novo.
O ponto central destes e outros momentos referente aos ambientes é a direção de arte. Ghost Song tem um visual detalhado, com um bom uso das cores e iconografia. A direção sonora também agrada, compondo bem o ambiente e trabalhando a relação entre silêncio e música, ou mesmo entre melodia e (quase) ausência dela.
A força de Ghost Song, entretanto, está em como os diálogos e o percurso da protagonista constróem uma temática que encontra terreno fértil em um metroidvania. Temos, aqui, personagens buscando entender os caminhos, se encontrar e se identificar, construir alguma coisa a partir do existente. A personagem controlável, Blue/Deadsuit, não sabe muito bem quem é, de onde veio, ao ponto de não saber se é uma IA, um robô, uma pessoa com uma armadura, ou qualquer outra existência fantasmagórica. Não sabe, e tem receio de saber. Talvez por esse entendimento ser duro e possivelmente machucar. Talvez por ser menos importante que a missão do momento; ajudar esse pessoal a sair daqui e voltar pra Terra.
A cada peça entregue, temos novas interações com o pessoal no acampamento ao entorno da nave. Nessas conversas a temática central vai sendo refletida de pontos e histórias diferentes: uma androide está montando seu novo corpo e refletindo, em um esquema navio de Teseu, até que ponto essas transformações afetam o seu senso de eu; outra tripulante trabalha com algo em que não é muito boa, e tenta entender exatamente o que fazer com isso, de onde vem esse serviço e se há algo diferente que se adequaria melhor. Existem, ainda, outros personagens tocando em outros pontos.
Ghost Song faz essas perguntas, e joga a resposta para quem joga montar qualquer entendimento a partir do que foi ou não apresentado. Sua própria existência enquanto obra também realiza esse caminho: como lidar com referências, comparações, ecos do passado e relações fantasmagóricas. Como criar a si próprio no meio de tudo isso? A resposta começa a partir do processo de tatear os possíveis caminhos, encontrar coisas mais ou menos sem querer querendo e tentar desenvolver alguma memória em uma linha de pensamento unindo esses dois aspectos, tendo em mente, agora, qualquer futuro desejado e/ou possível.
Comentários
Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.
O sorteio vai ser ao vivo via live???
Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)
Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.
Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png
cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...
Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público
Agora sim vou ter meu switch o/
Sim!
Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?
Reativei minha conta só pra promoção kkkk
Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte
Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!
Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.
sera que agora ganho o
Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.
Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?
Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!
Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)
Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?
? vou seguir o Renan aqui tbm