We Love Katamari foi originalmente lançado em 2005 para PS2 e esse ano recebe uma versão remasterizada, We Love Katamai Reroll + Royal Reverie, com mudanças visuais, pequenas melhorias na gameplay e adição de novos conteúdos.
O jogo é uma sequência de Katamari Damacy (que também recebeu uma versão remasterizada em 2018), lançado em 2004 para PS2. Em ambos você controla o príncipe, um bichinho verde, pequeno, muito fofo e talvez um pouco esquisitinho. Seu objetivo é rolar uma bola (chamada katamari) que inicialmente começa bem pequena, mas conforme você rola, objetos vão grudando e a bola vai crescendo mais e mais. É impossível, entretanto, englobar itens maiores do que o seu katamari, portanto a graça está em otimizar o seu caminho sempre tentando aderir os maiores objetos possíveis, porém evitando aqueles grandes demais.
É um jogo arcade, dividido em fases, com uma vibe bem “retrô”. No entanto, ele não se encaixa em nenhum gênero definido como plataforma ou aventura. Então é difícil descrever, já que não existe quase nada que seja como Katamari. Dito isso, na wikipedia ele é descrito como ação e puzzle em terceira pessoa, mas essa definição é tão abrangente e tão genérica que talvez possa ficar até mais confuso de visualizar.
No primeiro jogo existem dois tipos de fases. Nas principais o seu objetivo é simplesmente crescer a bola o máximo que você conseguir, porém também existem missões “secundárias” em que os objetivos são mais variados e contam com gimmicks próprias pra cada nível.
We Love Katamari, no entanto, tenta mudar um pouco a estrutura. Enquanto Damacy foca em ter um senso de progressão e de escala, sua sequência vai pra um lado um pouco mais caótico e abraça de vez as fases “diferentonas”. Ainda existem as missões onde o seu objetivo é simplesmente crescer o máximo possível, mas as fases se baseiam muito mais em gimmicks, que já existiam no primeiro mas em uma escala diferente.
Alguns exemplos são: uma fase em que você está em uma corrida se movendo muito mais rápido do que o normal e com muito menos controle sobre os seus movimentos, ou uma fase que em vez de rolar uma bola, você rola um lutador de sumô e o seu objetivo é pegar o máximo de comida no cenário para que o lutador ganhe calorias e fique grande o suficiente para derrotar seu rival. Mesmo as fases cujo seu objetivo é apenas consumir a maior quantidade de objetos, ainda há um pequeno twist ou uma ambientação criativa em relação ao seu antecessor, como uma fase que se passa inteiramente em baixo d’água.
We Love Katamari não se contenta em apenas repetir a fórmula de seu antecessor e ser “maior e melhor”. Sabendo que se trata de uma fórmula simples e difícil de mexer demais sem perder a magia, o jogo opta por trazer um elemento novo e criativo para cada uma das fases, sempre surpreendendo o jogador.
Além disso, o jogo segue sendo igualmente carismático e criativo como seu antecessor. Katamari é incrivelmente único em sua estética, com personagens icônicos, uma trilha sonora variada e extremamente memorável, e com o humor característico da série. O game design de Keita Takahashi (o diretor dos dois primeiros títulos) é absolutamente impecável. À primeira vista pode parecer simples, mas o posicionamento de cada um dos objetos do cenário é extremamente importante, e o senso de escala dos ambientes é simplesmente inacreditável. No início, você começa pegando objetos pequenos como moedas, pregos e peças de shogi, e no decorrer isso vai escalando para animais, pessoas e até prédios.
Me surpreende como um jogo com um conceito tão simples consegue causar tantos sentimentos. Ele pode parecer apenas divertido e feliz, porém é também engraçado, surpreendente, relaxante, talvez frustrante e até mesmo… perturbador. Já se perguntou o que acontece com todas as pessoas que acabam grudadas nas massas gigantes de objetos e seres vivos? Racionalizar o que está acontecendo na tela pode ser até mesmo um pouco assustador, e a forma como Katamari consegue trabalhar tão bem essas contradições é justamente o que o torna uma experiência tão única e diferente.
Esse remaster também nos traz o Royal Reverie, uma parte nova que não estava no original, com uma espécie de “remix” das fases originais (os mapas são os mesmos, mas os objetivos são diferentes). E, honestamente, eu preferia que esse conteúdo nem existisse. São pouquíssimas fases curtas, e são de longe a parte mais desinteressante do jogo. O abismo de qualidade em relação ao conteúdo original é gritante.
Keita Takahashi deixou a Bandai Namco há alguns anos, portanto não tem mais nenhum envolvimento com Katamari e desde sua saída a franquia nunca mais foi a mesma. Existem jogos bons sem o envolvimento dele, mas nenhum jamais chegou ao nível dos dois primeiros. O Royal Reverie meio que só serve para escancarar a diferença da franquia com e sem o envolvimento do Takahashi. Não acho que isso tire pontos do remaster, porque o jogo base está ali intacto e o conteúdo novo é algo totalmente separado e opcional, mas caso você já tenha jogado o original e o seu interesse nessa versão seja puramente a parte nova, já adianto que não vale muito a pena.
We Love Katamari entende perfeitamente o que tornava o primeiro título tão especial e sabe exatamente o que mudar e o que melhorar em relação ao seu antecessor, sendo uma sequência perfeita e que sem dúvida irá agradar aos fãs. O jogo repete os acertos do anterior, ao mesmo tempo que traz uma série de ideias novas e passa longe de ser “mais do mesmo”. No entanto, por mais que a sequência seja amada pelos fãs e considerada por muitos o melhor título da série, existe uma pessoa que foi contra sua existência; simplesmente Keita Takahashi, o criador da série.
Katamari Damacy foi um projeto ambicioso, a equipe de desenvolvimento era bem pequena e o orçamento foi baixíssimo. O jogo era visto como uma aposta arriscada, e não havia muita expectativa por parte da Namco. Tanto que, inicialmente, a ideia era lançá-lo apenas no Japão. Porém, devido ao preço baixíssimo em seu lançamento (20 dólares) e à criatividade e inventividade de Katamari, o jogo acabou sendo um sucesso maior do que o esperado.
Foi aí que a Namco decidiu fazer uma sequência. Inicialmente Keita Takahashi foi contra, pois queria trabalhar em projetos novos e criativos. Porém, ao ser alertado que o jogo existiria com ou sem a sua participação, Takahashi aceitou, por livre e espontânea pressão, voltar para mais um projeto envolvendo a marca Katamari.
É muito comum ver pessoas tratando Katamari Damacy como um jogo divertido, fofo e relaxante. E sim, ele é tudo isso. Ao mesmo tempo, é bem mais do que isso, já que trata-se de uma crítica ao consumismo. Inicialmente pode parecer apenas algo inocente e bobo, mas existem muito mais camadas do que Takahashi queria abordar. O seu objetivo é consumir e consumir objetos, crescendo tanto a ponto de causar destruições em níveis de desastres naturais.
A mensagem é simples e direta ao ponto: o consumismo levará à destruição do nosso planeta. No entanto, a forma como o jogo passa essa mensagem é justamente o que o torna tão interessante e fascinante. O contraste entre sua estética infantil e divertida com sua mensagem pessimista é o que eleva Katamari Damacy para uma obra-prima para mim.
Em uma entrevista para a Eurogamer em 2009, Takahashi diz que vê Katamari Damacy como um jogo que fala sobre a sociedade de consumo, e isso acabou gerando um problema: jogar o fazia se sentir triste.
“Eu queria fazer mais objetos. Se tem poucos objetos, me sinto solitário. Se tem muitos objetos, isso torna o cenário mais colorido, mas depois de rolados, eles somem. Eu me sentia vazio. E eu me sinto do mesmo jeito com relação à sociedade do descartável. Eu acho que expressei com sucesso minha visão cínica com relação à sociedade de consumo quando fiz Katamari, mas ainda me sentia vazio quando os objetos sumiam”
Nessa mesma entrevista, Takahashi expressa seus sentimentos com relação à fórmulas. Ele diz que se sente incomodado com a ideia de fazer fases que são apenas maiores e melhores, que tem vontade de jogar tudo isso fora e apenas fazer algo do zero, com ideias novas.
“Se nós amamos videogames, nós temos que sentir mais, observar mais e nos divertir enquanto os criamos. Não existe uma completude, eles estão sempre se desenvolvendo, independente do que digam sobre existir um jeito certo de se fazer jogos. Talvez nós estejamos nos escondendo atrás dessas regras e confiando em experiências passadas. Talvez nós devêssemos ignorar os jogadores e as empresas. Talvez nós devíamos apenas tentar criar um jogo que gostamos.”
Essa entrevista aconteceu 4 anos após o lançamento de We Love Katamari e apenas com esses pequenos trechos já dá pra notar boa parte do que Keita Takahashi quis abordar no jogo, desde sua frustração com empresas, exigências de fãs e a necessidade de seguir regras do que deve ser um videogame e, no caso, uma sequência. Takahashi parece se sentir frustrado com a ideia de seguir regras pré-estabelecidas ao criar uma obra. E não existe nada mais limitante do que uma sequência, algo que busca apenas adicionar ou melhorar ideias já existentes. Mudanças grandes quase nunca são bem vistas pelos fãs e muito menos pelas empresas que buscam apenas ganhar um pouco mais de dinheiro em cima de uma franquia já conhecida.
Enquanto Damacy faz uma crítica geral ao conceito de consumismo, o segundo tem uma mensagem muito mais pessoal. É uma obra extremamente metalinguística que fala muito sobre o sucesso do primeiro título, e sobre como uma sequência é desnecessária, visto que a visão de Takahashi como artista já havia sido concluída em Damacy.
A história desse jogo é que Katamari Damacy fez tanto sucesso que agora existem vários fãs querendo fazer pedidos ao príncipe e ao rei do cosmos. O seu objetivo é atender aos pedidos dos fãs e deixá-los felizes. O jogo está constantemente referenciando o seu antecessor e até parece que está tentando te vender a marca Katamari, o tempo todo falando sobre como é legal e divertido. O próprio nome: “Nós Amamos Katamari”, já é um título extremamente autorreferencial e metalinguístico e faz todo o sentindo quando paramos pra ver os temas que o jogo quer abordar.
Em alguns momentos, We Love Katamari tem até um ar de paródia. É comum vermos sequências ou produtos relacionados a franquias que são tão autorreferenciais que soam vazios. Filmes de herói estão mais preocupados em fazer “fanservice” e mostrar coisas conhecidas ao público do que, de fato contar uma história. No jogo, o seu objetivo é justamente atender aos pedidos dos fãs, fazendo o famoso “fanservice”.
Gosto como isso, de certa forma, justifica a estrutura mais caótica desse jogo. Enquanto o primeiro segue uma progressão mais padrão, que faz sentido pra mensagem, esse aqui é muito mais caótico, com fases que parecem não ter nada a ver uma com a outra, justamente porque quem está decidindo como serão as fases não é o diretor e sim, os fãs. Criando assim um produto desconjuntado e sem sentido. E, ainda que contraditório, a falta de coesão é exatamente o que torna We Love Katamari tão coeso dentro da mensagem que quer passar.
Dito tudo isso, não parece um pouco incompatível o fato que Keita Takahashi quer elaborar sobre como sequências são desnecessárias enquanto entrega uma ótima sequência? De certa forma, sim. Mas acho que ele gosta dessas contradições, visto que o primeiro jogo é a coisa mais fofa e divertida do mundo ao mesmo tempo que, pra ele, trata-se de algo deprimente.
A impressão que eu tenho é que ele queria provar o ponto de que, se quisesse, ele poderia viver a vida inteira fazendo bons jogos dentro da mesma fórmula, mas qual seria o ponto disso? Sim, os jogos são divertidos, mas fazer arte, para Keita Takahashi, vai muito além de divertir. É muito mais interessante, para ele, criar algo novo e que fuja das regras do que ficar para sempre repetindo as mesmas ideias, ainda que sejam boas.
Acho que o ponto é menos que toda sequência é ruim e desnecessária, e mais sobre quantos jogos únicos nós poderíamos ter se não tivéssemos tantas mentes criativas presas em apenas reproduzir fórmulas a exaustão. Imagina se todos os desenvolvedores responsáveis por Call of Duty tivessem orçamento e apoio para simplesmente fazer um projeto novo e diferente, em vez de repetir a mesma fórmula literalmente todo ano. Ou, do lado inverso, imagina se a From Software, em vez de fazer Sekiro, Bloodborne e Armored Core, estivesse fazendo Dark Souls 7.
Portanto, por mais que possa soar contraditório o fato de que We Love Katamari é absolutamente divertido e criativo, ao mesmo tempo em que está constantemente tentando nos convencer de que sua existência é redundante e vazia, não acho que isso diminua e nem anule a sua mensagem. Sequências podem sim ser boas, mas às vezes é muito mais interessante fazer algo diferente e é isso que Keita Takahashi tenta nos passar nessa sequência extremamente metalinguística de Katamari Damacy.
Comentários
Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.
O sorteio vai ser ao vivo via live???
Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)
Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.
Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png
cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...
Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público
Agora sim vou ter meu switch o/
Sim!
Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?
Reativei minha conta só pra promoção kkkk
Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte
Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!
Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.
sera que agora ganho o
Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.
Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?
Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!
Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)
Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?
? vou seguir o Renan aqui tbm