Relato: God of War A Reinvenção de um Deus (ou como fazer alguém se apaixonar pela série) - Neo Fusion
Relato
God of War
A Reinvenção de um Deus (ou como fazer alguém se apaixonar pela série)
8 de novembro de 2022

Eu nunca fui muito fã de God of War. É bem verdade que quando conheci a franquia, em 2005 pelas reportagens sobre o primeiro jogo na EGM, e em 2006, quando finalmente pus minhas mãos nele, o que mais marcou minha memória foi compartilhar a experiência com um dos meus primos do que a jogatina em si, o que talvez não seja necessariamente o melhor dos sinais.

Claro, eu estaria mentindo se dissesse que não achei a abertura fantástica, o combate satisfatório e as ideias no mínimo interessantes (e algumas meio imbecis), mas o que realmente ficou na minha cabeça foram as conversas que tive com esse primo e as várias horas que compartilhamos o controle até fechar o debut de Kratos, que naquela época era tão esquentadinho quanto desbarbado. Posso dizer que provavelmente só zerei o game à época por insistência familiar.

Em 2007 era comum ouvir falar sobre a sequência, God of War 2, e como ela era um jogo ainda mais incrível, refinado e inúmeros outros adjetivos do que seu antecessor. Lá fui eu – dessa vez sozinho – dar uma chance, conferir o que era tamanho barulho e… nem cheguei a finalizar o game. Sei lá, eu nem me lembro muito bem o porquê, mas imagino que o Carlos de 15 anos tenha tido motivos legítimos para desistir dele, ainda mais em uma época onde a única preocupação real era se sair minimamente bem no ensino médio e aprender a tocar Master of Puppets na guitarra direito.


Eu até me lembro de flashes do jogo naquela época. Me lembro que God of War 2 era sim uma evolução de seu antecessor e um grau mais alto em termos de quão épico tudo era. Combate, animações, destruição, deuses do olimpo sendo trucidados, minigame de sexo. Tudo era elevado à próxima potência e abusava do já antiquado – porém incrível – hardware do PlayStation 2. Mas, ao mesmo tempo, sentia que faltava alguma coisa ali que me fisgasse de verdade e, em certo momento, provavelmente perto do meio do jogo, larguei mão e me dei por vencido: eu não gosto de God of War.

Meu próximo encontro com a série se deu muitos anos depois, já na geração do PlayStation 4, quando finalmente resolvi dar uma chance ao próximo jogo, God of War 3 (sim, eu o pulei na geração do PS3 porque sequer tive interesse depois do segundo) e, bom, de novo por insistência de outra pessoa, desta vez um amigo, lá fui eu ver qualé que era. E, olha só! Pra minha surpresa, acabei achando GoW 3 mais legal e divertido do que as aventuras anteriores.

Não sei dizer muito bem o porquê, tanto por já fazer tempo quanto porque talvez seja injusto julgar sem revisitar a trilogia de forma mais fresca e cuidadosa, mas o fato é que pela primeira vez eu genuinamente achei God of War meio que legal e quis ir até o final por conta. Mas… ficou por isso mesmo. O contato, embora positivo, só foi o suficiente pra mudar minha impressão de “isso aqui não é pra mim” para um “ok, eu meio que até gosto desse God of War em específico”. Sei lá, vai ver God of War não é pra mim.

E aí veio 2016 e, ao som de uma incrível orquestra conduzida por um cara cujo nome se traduz para “Urso McCreary”, tudo começou a mudar.

A E3 de 2016 foi uma das mais incríveis dos anos 2010, em especial pela apresentação da Sony – que no ano anterior já havia roubado a cena com seus anúncios e surpresas, diga-se de passagem. Foi nessa E3 que vimos aquela orquestra tocar um tema brilhantemente bem composto e dar lugar ao vídeo de um garoto brincando com bonequinhos até uma voz grave e profunda roubar a cena. O dono da voz, soando como um general, informa que é hora de caçar e que está com fome, para depois surgir das sombras e se revelar: eis ali Kratos, no meio de uma desconhecida e gélida terra, com uma imensa barba e, sim, um filho chamado Atreus. O público foi à loucura.

Na realidade, aquela cena não fazia parte de um vídeo, mas sim de um gameplay ao vivo. Cory Barlog (diretor de GoW 2 e figura importantíssima para a franquia) estava ali, segurando o controle e cuidadosamente demonstrando o que a Santa Monica Studio vinha cozinhando havia pelo menos dois anos. Qualquer um que acompanhe o estúdio ou tenha assistindo ao documentário Raising Kratos sabe que aquela apresentação precisava ser bombástica. Santa Monica não só passara pelo cancelamento traumático de uma nova IP anos antes, como entendia que a franquia God of War parecia fadada ao ostracismo após Ascension (que eu nunca joguei). A apresentação desse novo jogo carregava um significado enorme. Era o renascimento de Kratos e, por conseguinte, do próprio estúdio que o criara.

Pessoalmente, me lembro muito bem daquele momento. Quando caiu a ficha de que o novo God of War exploraria a mitologia nórdica (disparado a minha predileta), eu me peguei empolgado, bastante empolgado. O combate apresentado naquele dia parecia incrível; o valor de produção, altíssimo. Kratos, até certo ponto, não parecia mais o mesmo personagem dos anos 2000, o que era intrigante. Para mim, estava decidido: aquele seria o primeiro God of War que eu jogaria no lançamento. Eu queria literalmente pagar para ver se “dessa vez ia”.


Mais dois anos se passaram e, em 20 de abril de 2018, o novo God of War finalmente veio ao mundo. Esse dia foi um tanto esquisito. Eu havia decidido ir ao shopping para comprar o game. Levantei cedo, me arrumei e fui para o ponto de ônibus. O ônibus daquele horário não passou, tinha quebrado. Fiquei ali esperando o seguinte, que levou um bocado para passar. Entrei. Fui ao shopping. Cheguei na loja e sondei a seção de PlayStation. O jogo não estava lá. Putz! Contendo o desespero de ter perdido meu tempo de ir até ali, pensei em correr ao caixa e perguntar “com licença… vocês têm o novo God of War?”. Felizmente, a resposta foi “temos sim”. Eles só não tinham tido tempo de colocar as cópias nas prateleiras. “Me vê um, por favor”.

Com minha sacolinha em mãos, resolvi dar uma passada no Starbucks para tomar um café. A atendente parecia que tinha tido uma péssima noite, a julgar pelo humor e o atendimento ríspido. Bom, vai saber, né, pelo menos era sexta-feira. “Tenha um ótimo dia, moça!”. Peguei meu café e fui, todo feliz, ao ponto de ônibus para voltar pra casa. Dessa vez deu tudo certo. Era adentrar ao recinto, instalar o jogo e descobrir se as primeiras horas se provariam interessantes o bastante para eu ir com o game até o fim. Mal sabia eu que minha relação com a franquia estava prestes a mudar para sempre.

God of War 2018 tem tudo que me atrai em um jogo e faz algumas coisas tão bem que às vezes até assusta. É muito comum você encontrar títulos que tenham um valor de produção tão alto quanto ele ou que sejam até mais bonitos e polidos, mas na maioria das vezes a história acaba ali – são apenas jogos bonitos pra caramba. Por outra ótica, também é muito comum encontrar jogos que proporcionam uma jogatina prazerosa, cheia de mecânicas interessantes e um combate super profundo e criativo. Estes, frequentemente, pecam no lado visual (embora não necessariamente sejam feios). Outros apostam todas suas fichas em uma narrativa marcante, inteligente e memorável, em detrimento de quase todo o resto. God of War 2018 comete a loucura de tentar cobrir todas essas áreas num jogo só e ainda por cima reinventar uma franquia que estava nos últimos suspiros uns anos antes. Na minha visão, ele passa por esse teste com honras.


O que me deixa maravilhado com God of War é que ele ousa mudar como o combate é estruturado. Enquanto nos jogos antigos da franquia a câmera era fixa e as arenas de combate montadas de maneira que o jogador dedicasse mais tempo em controlar hordas de inimigos enquanto comba e usa ataques especiais, GoW 2018 joga a câmera para trás de Kratos, a deixa livre para o jogador e faz com que as mecânicas de luta se aproximem mais de algo que a FromSoftware faria (inclusive por mapear os ataques nos mesmos botões que um Dark Souls). E eu nem falei do machado Leviathan ou de como as Lâminas do Caos funcionam brilhantemente bem nesse novo esquema.

Enquanto os jogos antigos abordam a exploração de forma majoritariamente linear e direcionada, 2018 mistura a linearidade de um jogo da Naughty Dog com um mapa que flerta com metroidvania 3D e dá liberdade para o jogador explorá-lo no seu tempo, intercalando quest principal com quests secundárias e revelando segredos e áreas somente acessíveis conforme o Lago dos Nove se abre devido à Serpente do Mundo ou porque conseguimos uma habilidade ou arma novas.

Enquanto a trilogia original se vale de filmes pré-renderizados para contar várias das partes de sua história, essa nova aventura ousa desafiar a tecnologia e a linguagem cinematográfica colocando uma câmera de plano-sequência que acompanha Kratos e Atreus de perto, de forma mais intimista. E isso se traduz também no quão mais íntima essa história é: uma jornada de pai e filho e os dramas familiares de uma mitologia cujos deuses são tão incríveis quanto falhos e rancorosos, quiçá mais carregados de humanidade do que se imagina.

Eu poderia ficar o dia inteiro mencionando cada detalhe que já foi explorado diversas vezes em outros lugares e por outras pessoas, mas o ponto aqui não é fazer uma análise minuciosa de God of War 2018. E, não, eu não o acho perfeito (também pelos mesmos problemas que você já deve estar careca de saber se vive na internet e não se escondeu debaixo de uma pedra nos últimos quatro anos), mas acho que é um jogo que consegue fazer o que se propõe de uma forma tão incrível e elegante que é impossível não elogiá-lo. God of War também merece meu reconhecimento por ter sido feito com todo o cuidado que merecia, por um estúdio que realmente se importa com o que está fazendo.

Com a chegada de God of War Ragnarök no dia 9 de novembro de 2022, uma coisa fica clara para mim: é raro quando uma franquia de longa data consegue soltar um jogo novo que chacoalha toda a relação que alguém tem com a série inteira retroativamente. Eu posso dizer hoje que God of War (2018) consegue ser tão bom que me faz ter um olhar diferente sobre os jogos antigos e ter vontade de revisitá-los sobre essa nova luz. É um exercício válido e interessante reencontrar obras que fizeram parte da sua vida anos antes, gostando delas ou não, e reinterpretá-las. Sem falar que o jogo me trouxe inúmeros novos amigos com quem adoro debater sobre a franquia e suas histórias e mecânicas e tudo mais.

Gostaria de encerrar este texto com algo que Cory Barlog disse e que faz muito sentido pra mim: “Sucesso não é garantido. Você não o consegue apenas por ser quem você é. Você o consegue porque trabalha duro e se sacrifica por algo mais, o que é quase como ser um pai. Você vai se sacrificar, trabalhar duro, e aí [os filhos] vão te odiar em 15 anos e não falar com você por 10 anos e então vão ficar tipo “hey, eu me lembro do porquê você era tão bom”. Eu gosto pra cacete de God of War.

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Comentários

Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.

O sorteio vai ser ao vivo via live???

Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)

Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.

Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png

cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...

Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público

Agora sim vou ter meu switch o/

Sim!

Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?

Reativei minha conta só pra promoção kkkk

Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte

Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!

Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.

sera que agora ganho o

Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.

Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?

Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!

Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)

Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?

? vou seguir o Renan aqui tbm