Se há uma franquia japonesa de jogos que se destacou internacionalmente como nunca antes nos últimos anos, essa franquia é Yakuza. Apesar de ser conhecida como Ryu ga Gotoku na terra do sol nascente, a série ficou conhecida no ocidente principalmente pelo nome da famosa organização criminosa transnacional originária do Japão. Ao contrário da Nintendo, a Sega é destemida e não hesita na hora de se envolver Yakuza em seus negócios.
Criada pelo excêntrico Toshihiro Nagoshi, a série estreou seu primeiro título no PlayStation 2, misturando seriedade e diversão de uma forma bastante charmosa. O combate mais clássico, no melhor estilo beat ‘em up, se uniu a uma concepção de “mundo aberto mais contido” para dar origem à irreverente e longeva fórmula da franquia. Após sete jogos principais protagonizados por Kazuma Kiryu, o estúdio tomou duas decisões bastante curiosas e arriscadas em momentos diferentes.
A primeira foi lançar Judgment, spin-off protagonizado pelo ator e cantor japonês Takuya Kimura. A aposta de colocar um detetive frustrado e praticamente falido para buscar justiça pessoal e motivação profissional no universo da série Yakuza não poderia ter dado tão certo: uma sequência intitulada Lost Judgment foi revelada e lançada em 2021, mantendo viva a essência do combate em tempo real por meio dos variados movimentos e golpes de Yagami.
A segunda, mas não menos importante, foi aposentar um dos personagens mais icônicos dos games para dar o papel principal a um até então desconhecido naquele que acidentalmente viria a ser o primeiro jogo da série com combate por turnos. Mal sabíamos que a franquia não somente focaria e se inspiraria mais fortemente em elementos tradicionais de JRPGs, mas também introduziria um personagem bondoso, leal e muito carismático.
Após contextualizar um pouco das origens da principal família do jogo, Yakuza: Like a Dragon nos coloca no ano de 2001, momento no qual vivemos apenas mais um dia na vida de um membro qualquer do clã Tojo — ou, pelo menos, era o que pensava Ichiban Kasuga. Por lealdade ao patriarca da família Arakawa, que o resgatou quando garoto das más influências da adolescência, o jovem de 23 anos assinou a confissão por um crime que não havia cometido e cumpriu longos 18 anos de detenção.
Durante sua estendida sentença, Ichiban teve pouco contato com o lado de fora das grades. Isso é comunicado tanto pelos sentimentos como por seu desconhecimento da internet e dos smartphones, por exemplo. Durante a busca por seu pai adotivo, porém, o protagonista encontra um infeliz destino em forma de disparo contra sua própria vida pelas mãos daquele que ele sempre respeitou e amou da forma mais leal possível.
Ferido e dado como morto, o jovem baleado é literalmente jogado no lixo, mas é encontrado e acolhido por um grupo de moradores de rua em Isezaki Ijincho, um distrito periférico e marginalizado da cidade de Yokohama. Partindo do fundo do poço, Ichi usa a mais poderosa das armas para ensinar uma lição a todos aqueles que cruzarem seu caminho: a empatia.
Eu já refleti (mais de uma vez, só para deixar registrado) que seria mais feliz se Ichiban Kasuga fosse alguém real, como um colega ou amigo próximo nesse mundão de meu Deus. Creio que, dadas as circunstâncias e acasos da vida, dificilmente cruzaríamos o caminho, mas mantenho minha fé de encontrar um ser tão humano quanto ele.
Desde o início de sua jornada, Ichi se comporta de forma altruísta e modesta como um herói do povo — um traço que faz referência a Dragon Quest e que ele insiste em provar por meio de pequenas atitudes. Os traços de personalidade presentes no jogo não são apenas um sistema no qual pontos são alocados após completarmos pequenos objetivos por meio de missões, eventos e minigames. Há paixão por seus iguais, confiança nas decisões a serem tomadas, carisma para promover mudanças, bondade para acolher os oprimidos, intelecto para ocasionalmente escutar a voz da razão, e uma boa dose de estilo em seus trajes e trejeitos.
Assim como nos jogos protagonizados por Kazuma Kiryu e por Takayuki Yagami, a porção mais interessante da personalidade de Ichiban pode ser encontrada durante missões secundárias e nas interações com o mundo. Escolhi o adjetivo “interessante” porque não se limita somente às emoções afloradas e bizarrices caricatas, características recorrentes na franquia, mas também por englobar reflexões e questionamentos acerca de aspectos políticos — como preconceito, direitos humanos e consciência de classe.
Um ex-Yakuza injustamente condenado, um policial exonerado próximo a sua aposentadoria, um morador de rua, uma garota de programa, um misterioso contraventor coreano, uma microempreendedora falida e um jovem mafioso chinês. Assim como em outros JRPGs, Yakuza: Like a Dragon nos introduz a outros personagens que lutarão ao nosso lado. Cada um deles tem habilidades e formas de lutar — podendo experimentar outras por meio do sistema de empregos —, mas há um fio condutor que os mantém unidos: a exclusão social.
No Japão de 2020, ano e local onde a maioria dos acontecimentos do jogo se desdobram, os clãs, alianças e outras organizações criminosas não têm mais o poder e a influência de outrora. Pelo contrário: são perseguidos. A mistura de diferentes etnias, classes sociais, níveis de educação e experiências de vida, porém, é o que mantém a turma unida para ir à luta.
Para ser sincero, sinto que a resistência é a força-motriz da narrativa em diversos momentos. Percebi e me encantei com a preocupação do jogo em denunciar situações às quais somos submetidos enquanto vítimas de uma sociedade opressora, de um sistema capitalista selvagem a caminho da extinção (humana, no caso). Uma mãe preocupada com a procrastinação de seu filho e um trabalhador se lascando no feriado para quitar o saldo devedor podem parecer apenas pequenos contos, mas ilustram como uma maioria se esgota mental e fisicamente para que uma minoria viva no popular “bem bom”. E, para mim, isso só funciona porque tem a função de nos fazer refletir sobre a realidade do mundo atual.
Há dois discursos bastante familiares para quem tem acompanhado a política brasileira nos últimos anos. A primeira é a promessa de acabar com a corrupção e a segunda é a promoção do “cidadão de bem”, vulgo Cristão identitário, a cargos de poder (como um chefe de Estado, por exemplo). As duas narrativas moralistas podem sim se interseccionar em alguns eventos — nem preciso dizer no que deu e ainda continua dando em nosso país nesse caso, né?
Em Yakuza: Like a Dragon, a organização que toma as ruas protestando contra as zonas cinzentas presentes principalmente nos grandes centros urbanos se denomina Bleach Japan. Sim, o nome é uma referência a água sanitária, uma mistura usada para limpar, descontaminar e esbranquiçar superfícies. E é exatamente o que os manifestantes querem: livrar o Japão de atividades ilegais e imorais.
Porém, as zonas cinzentas envolvem situações que acolhem, de uma forma ou de outra, classes mais baixas, imigrantes ilegais e pessoas menos privilegiadas que não exatamente escolheram estar naquela situação. Ichiban, Nanba e Adachi, por exemplo, representam uma fatia da população sem qualificação profissional. Julgados pelas aparências e por seus antecedentes, o máximo que conseguem são colocações profissionais informais e praticamente desprovidas de direitos trabalhistas.
Assim como Joon-gi Han e Tianyou Zhao, há uma quantidade expressiva de coreanos e chineses trabalhando em subempregos na região de Ijincho. É comum para estrangeiras, por exemplo, procurarem por oportunidades em cabaret clubs ou soaplands justamente por não exigirem formalidades e documentação para contratação. Sem muitas escolhas por causa da baixa renda, acabam optando também por morar nos fundos e extensões destes estabelecimentos para não sucumbirem aos abrigos públicos da região e ao alto índice de deportação de residentes ilegais.
À medida que caminhamos para o fim, vimos a verdadeira face da Bleach Japan: o dinheiro. Quem poderia imaginar que os patrocinadores da manutenção dos privilégios estavam por trás de uma organização focada no extermínio de classes mais baixas? Pois é. A história é cíclica e, diferente do que diz o ditado, não cuidou e nem vai cuidar naturalmente disso. Felizmente, no caso de Ichiban e companhia limitada, a conclusão é um pouco mais feliz que a nossa realidade.
Há muitas outras qualidades e uma porção considerável de defeitos em Yakuza: Like a Dragon quando o assunto é o jogo em si, mas isso é assunto para uma análise mais detalhada — claramente não é o foco deste texto. Sinto que a série deu um passo muito importante em uma nova direção, ainda mais politizada do que as experiências que eu tive anteriormente com a série, e isso já é o bastante para eu recomendá-lo sem muitas ressalvas.
No momento, reservo-me o direito de ser grato a Ichiban Kasuga por tudo que ele representa com suas atitudes assim como ele é grato àqueles que o acompanham de perto. Confesso estar empolgado para a próxima aventura nesse formato. Até lá, sentirei falta daquela espreguiçada pouco discreta de Saeko e da famosa “coçadinha sem vergonha” de Nanba, detalhes que quebram a seriedade das críticas para nos tirar sorridos e risadas em momentos difíceis da vida.
Comentários
Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.
O sorteio vai ser ao vivo via live???
Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)
Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.
Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png
cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...
Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público
Agora sim vou ter meu switch o/
Sim!
Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?
Reativei minha conta só pra promoção kkkk
Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte
Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!
Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.
sera que agora ganho o
Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.
Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?
Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!
Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)
Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?
? vou seguir o Renan aqui tbm