Relato: O teor inaugural de Yakuza Kiwami - Neo Fusion
Relato
O teor inaugural de
Yakuza Kiwami
17 de outubro de 2022
Atenção: esse texto contém spoilers sobre eventos narrativos presentes em Yakuza (2005) e Yakuza Kiwami.

Após alguns meses imerso em spin-offs e jogos mais recentes da franquia Yakuza, resolvi dar “outra chance” para Yakuza Kiwami. Coloco aspas porque quando o testei pela primeira vez, em dezembro de 2018, ainda não estava entregue de corpo e alma para a franquia, tendo instalado e jogado o título por pouco mais de uma hora apenas por ter sido ofertado naquele mês para assinantes da PlayStation Plus.

Nas últimas semanas, eu já sabia o que esperar do remake lançado no início de 2016 exclusivamente para PS4: seria a continuação de um dos meus jogos favoritos de todos os tempos, Yakuza 0, e também a última entrada da série antes do espetacular motor gráfico Dragon Engine entrar em vigência. Acima de tudo, porém, seria uma desculpa para tirar a poeira do meu PlayStation 2 e jogar Yakuza (2005) em sua plataforma original para finalmente conhecer onde a série deu seus primeiros passos.

Um começo honesto

Quando o primeiro Yakuza foi lançado no Japão, em dezembro de 2005, já se conhecia o sucesso dos criminosos em videogames. A franquia ocidental GTA, sempre voltada a gangues e violência nas ruas, estava mais em alta do que nunca com Grand Theft Auto: San Andreas (2004). Já Mafia (2002), como o próprio nome diz, era expressivo quando o assunto eram máfias italianas e os contrabandos por elas controlados em cidades americanas. Yakuza é concebido, então, como aquele que continuaria o legado de Shenmue II (2001) — um dos últimos jogos lançados para Sega DreamCast após sua prematura descontinuação — na arte de contar histórias orientais emocionantes sobre família, lealdade e política.

Jogar o primeiro Yakuza em 2022 não parece ser uma ideia tão agradável — ainda mais se você, assim como eu, preferir consoles antigos (com todos os seus problemas de época) à qualidade de vida provida por emuladores modernos. Após 40 horas investidas em inúmeras substories e atividades opcionais presentes no remake, acabei gastando mais 15 horas para completar apenas a história principal no título original. Já adianto que, pelo menos um quarto do jogo, foi tentando me deslocar pelo mapa enquanto era constantemente abordado por encontros aleatórios com inimigos — um detalhe importante que, ao longo dos anos, foi melhorando na série.

O primeiro jogo da série já apresenta um combate beat ‘em up bastante enérgico — mais variado que os dois primeiros jogos da série Shenmue, porém pouco expressivo para o que é proposto em Yakuza Kiwami. Não há como adequar seu estilo de luta para abordar certos tipos de inimigos ou desafios, o que pode tornar maçante a repetição de golpes e animações. Por outro lado, apenas a última luta do jogo — para a qual eu acidentalmente esqueci de me preparar com itens de cura — me exigiu um pouco mais de paciência e habilidade.

A estrutura de “bairro aberto”, como os fãs carinhosamente costumam chamar, já aparece por aqui. A diferença está na variedade de atividades e interações: como o distrito de Kamurocho no jogo original é apresentado por uma perspectiva de câmeras fixas com suaves movimentos (pan and scan) que acompanham o protagonista durante a caminhada, o jogo diminui a quantidade de localidades de interesse e faz com que apenas os objetivos principais e as substories sejam evidenciadas tanto em mapa quanto em cena.

Yakuza Kiwami: brilho e contraste

Ao meu ver, o primeiro Yakuza e seu remake de 2016 não são obras tão irretocáveis quanto outros jogos da franquia, mas brilham individualmente em alguns pontos — contrastando entre si principalmente quando comparados os momentos em cada que cada um foi lançado.

O jogo original, por exemplo, faz um ótimo trabalho em termos narrativos, apresentando e dando adeus a personalidades nos momentos certos. É seguro dizer que ele sabe criar um clima de tensão e mistério durante os capítulos, desviando a atenção de quem está jogando para surpreender no clímax seguinte.

A trilha sonora, que não me fisgou com tanta intensidade no remake, se destaca com estilos bastante presentes na era PS2 — especialmente em locais emblemáticos da série, como o bar Serena. Eu me sentia em um começo de episódio do finado programa de TV da Rede Globo, Sai de Baixo, toda vez que precisava visitar Reina para um bom papo. A sala segura do estabelecimento, por outro lado, tinha uma sensação de melancolia e estranheza tão profunda quanto Shin Megami Tensei III: Nocturne. Aliás, desculpe-me por não saber me expressar quando o assunto é música: só sei fazer comparações e falar o que senti, sou vergonhosamente iletrado no assunto.

Voltando ao teor narrativo: as substories não são tão bem escritas quanto em Yakuza: Like a Dragon, por exemplo, mas eu aprecio que muitas delas sejam sobre um mesmo tema: “a ocasião faz o ladrão”. Não há compaixão ou arrependimento em primeira instância na Kamurocho do ano de 2005. Muitos estão ali para enganar, seja de forma eloquente ou truculenta, o primeiro desavisado ou desavisada à vista.

Falando de mudanças, original e o remake se separam primeiramente em termos de localização. Enquanto grande parte da série se refere ao mentor e pai de criação de Kazuma Kiryu como Shintaro Kazama, a versão ocidental de Yakuza (2005) nos apresenta a Shintaro Fuma — ou Fuma Oyabun, como os mafiosos da família de mesmo nome se referem. Até hoje não se sabe se a alteração foi proposital para que os nomes Kazuma (Kiryu) e (Shintaro) Kazama não fossem trocados por acidente ou se realmente houve confusão com o kanji 風間. Além disso, (Akira) Nishikiyama foi reduzido para Nishiki e Masaru (Sera) para Masa, mas esses casos são um pouco menos estranhos.

As outras diferenças entre as duas versões são mais referentes à evolução da série com o tempo: a câmera livre permite controles muito mais agradáveis durante exploração e movimentação; é possível alternar entre quatro estilos de luta, todos herdados de Yakuza 0; as melhorias, originalmente divididas em três classes lineares, agora podem ser evoluídas a partir de quatro árvores de habilidades; há mais momentos, localidades, atividades, detalhes e até incrementos suaves dentro da própria trama principal para que o jogo conquiste ainda mais com seu intenso aspecto de contar histórias e de simulação de vida.

Lealdade e traição

Quando comecei a rascunhar as primeiras anotações sobre minha experiência com Yakuza Kiwami, lealdade era a palavra que melhor definia o sentimento geral do jogo. A lealdade retroalimentada pela confiança, como nas histórias de máfia que conhecemos. Kiryu é a personificação disso: ele não se importa quando Kazama revela ter sido responsável pela morte de seus pais. Como o próprio Kiryu diz em um grito desesperador no leite de morte de seu mentor e guardião de criação, Kazama é seu pai, e nada mais importa.

Kiryu também leva até o túmulo sua conturbada relação fraternal com Nishikiyama, o verdadeiro autor do crime que colocou Kiryu atrás das grades por 10 anos. O meio-irmão, também criado no Sunflower Orphanage, não poupa esforços para dizer que quer vencer Kiryu pelo menos uma vez na vida, apelando para todo e qualquer recurso na subida pelo poder dentro do Clã Tojo. Mesmo com tantos desgastes, Kiryu sente sua falta e lamenta seu heroico sacrifício no topo da Millennium Tower.

Goro Majima, personagem caricato da primeira entrada da série, tem uma relação de lealdade e traição (amor e ódio) com o protagonista. Na versão original, quando é esfaqueado por um de seus capangas ao se atirar na frente de Kiryu, Majima sussurra brevemente que seu maior rival é, na verdade, seu amigo. No remake, por sua vez, ele cita Kiryu como sendo de “sua responsabilidade para lidar e não de outros” ou algo assim, o que indicaria uma obsessão para tirar Kiryu de seu caminho de uma vez por todas — ou tê-lo como eterno aliado ao seu lado, como preferir.

Lealdade também é assunto em side quests como a dos irmãos estrangeiros (negros) que não possuem direto a hospital e vão a uma clínica clandestina para um tratamento, chegando a brigar pela urgência médica com Kiryu — que, por sua vez, exige atendimento às pressas de um garoto que sente fortes dores abdominais. Após resolvido o contratempo, percebe-se que o elo entre os dois irmãos é muito intenso, vencendo qualquer adversidade de estar longe de sua cultura de origem. Uma bela mensagem, diga-se de passagem.


Entre erros e acertos, Yakuza foi um passo curto na direção certa que o estúdio Ryu Ga Gotoku dava ainda em 2005. Se a sua curiosidade sobre as origens da série for tão mórbida quanto a minha, vale a pena dar uma chance para esse clássico do PlayStation 2. Por outro lado, se seu objetivo é apenas seguir a saga de Kiryu Kazuma após ter jogado Yakuza 0 (este sim indispensável para qualquer um que aprecie um bom videogame), a campanha e algumas poucas substories de Yakuza Kiwami são mais do que suficientes. Há também uma terceira via para quem tem pouco tempo e gostaria de conhecer a série mesmo assim, mas essa dica fica para meu próximo texto.

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Comentários

Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.

O sorteio vai ser ao vivo via live???

Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)

Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.

Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png

cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...

Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público

Agora sim vou ter meu switch o/

Sim!

Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?

Reativei minha conta só pra promoção kkkk

Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte

Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!

Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.

sera que agora ganho o

Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.

Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?

Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!

Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)

Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?

? vou seguir o Renan aqui tbm