Como diz o ditado, “primeira impressão é o que fica”. Após anos jogando videogames e acompanhando a indústria, geralmente tenho uma boa intuição de se um jogo vai me agradar muito rapidamente. Às vezes basta ver um trailer, ou em outros casos alguns minutos de jogo são suficientes. Goat Simulator 3 conseguiu quebrar minha primeira impressão dele e superar minhas expectativas nos dois casos.
Joguei só um pouco do primeiro Goat Simulator, que foi lançado em 2014. Na época, não vi muita graça. Entendo o jogo como um rápido projeto de game jam, mas não vi nele motivos para de fato continuar jogando por mais do que uns minutos. A piada cansava rápido. Quando sua continuação, foi anunciada, pensei, ironicamente: “caraca, o segundo jogo da série se chama Goat Simulator 3. Que piada incrível.” E já me preparei para ver mais do mesmo e ser outra piada de 5 minutos que eu algum dia jogaria quando entrasse no Game Pass.
Quando surgiu a oportunidade de fazer esta análise para o Neo Fusion, me dispus a experimentar o jogo, em parte porque eu ainda gosto de experimentar jogos fora da minha zona de conforto, mas também porque achei que seria uma análise chacota fácil. E de novo, joguei uns poucos minutos do Bode Game e me senti um completo imbecil. Eu tinha Bayonetta 3 pra jogar no Switch e God of War Ragnarök no PS5. Uma montanha de backlog no Xbox. Uma tese de doutorado pra escrever. Por que me comprometi a jogar uma obra tão preguiçosa quanto Goat Simulator 3?
Mas persisti. E, por incrível que pareça, valeu a pena.
A cena inicial, uma paródia da abertura de Skyrim, já deixa claro que o jogo emprega um tipo de humor que não me agrada. Trata-se da piada “eu sei que é ruim, mas como eu estou dizendo que é ruim, então é engraçado”. O fazendeiro, que comprou quatro novas cabras e/ou bodes, nos explica algumas coisas daquele lugar e, depois de um bom tanto de diálogo besta, solta essa: “sinceramente me impressiona que você ainda não pulou esta cena”. Como recompensa por ouvir tudo, ganhei um chapéu.
Em uma sequência que acontece meio rápido demais para ser digerida direito, rapidamente ativamos uma Torre Cabra e descobrimos que devemos fazer tarefas para os Illuminati assim como seguir nossos instintos caprinos para obter pontos. Nesse momento, não ficou claro por que eu deveria sequer me importar com tudo isso. A primeira missão envolve consertar um trator e os primeiros instintos são coisas como “dê uma chifrada em alguém” e “dê uma cambalhota 360˚”, nada muito interessante.
Goat Simulator 3 não é apenas um jogo de mundo aberto, é uma verdadeira sandbox onde o jogador tem liberdade completa para ir aonde quiser com o mínimo de atrito. Saindo da fazenda, podemos pegar um carro e sair dirigindo por aí como se a cabra se chamasse Niko Bellic. O carro parece trivializar boa parte da progressão do jogo, pois a primeira coisa que fiz foi dirigir até todas as Torres Cabra e desbloquear o mapa inteiro. Com isso feito, comecei a explorar com mais atenção cada parte daquele mundo.
Por um tempo continuei não gostando do que estava jogando. As missões pareciam tolas e sem recompensas, e o nível das maluquices que eu podia fazer parecia limitado. Eis que cheguei em um momento decisivo: completei uma missão que me rendeu uma asa delta como recompensa. Esse item naturalmente dá uma nova dinâmica à navegação no mundo, pois me incentiva a subir em pontos altos e planar deles mas, crucialmente, me fez perceber uma coisa. Pera aí, as roupas e equipamentos desse jogo não são meramente estéticas?
De fato, existem vários itens que podemos equipar no nosso bode que oferecem habilidades diferentes, incluindo botas-foguete, um lançador de fogos de artifício, um sabre de luz e muito mais. Alguns desses itens podem ser encontrados pelo mundo, outros são recompensas de missões, e mais alguns podem ser comprados com os pontos adquiridos ao realizar instintos.
Pouco tempo depois, ocorreu o segundo momento decisivo que, aí sim, mudou completamente minha percepção do jogo. Meu colega de apartamento passou pela sala de estar e perguntou o que diabos eu estava jogando (afinal eu estava ocupando o PS5 que ele poderia estar usando para jogar God of War). Eu expliquei que estava jogando Goat Simulator 3 para escrever uma análise, mas estava achando o jogo estranho. “Ah, mas tem co-op, se quiser pega teu controle e a gente joga em tela dividida.”
Essa interação fez toda a diferença. Em dois jogadores (ou até quatro, local ou online), aquele mundo se torna muito mais divertido. As piadas toscas se tornam mais engraçadas quando tem outra pessoa para rir delas, e várias das missões se tornam mais interessantes incluindo o elemento colaborativo. À medida que desbloqueamos novos itens, cada jogador vai fazendo seus experimentos e descobrindo sua forma preferida de navegar e interagir com os ambientes.
A base técnica do jogo, incluindo a física, parece estar constantemente na beira do colapso, podemos começar a esticar os limites da engine e ver até onde o jogo aguenta antes de quebrar. E, confie em mim, ele vai quebrar. Na minha experiência, clipar através de paredes é um evento comum, assim como ficar preso em cantos chatos ou cair através do chão. Os 10.3 TFLOPS do PS5 ocasionalmente não são suficientes para lidar com a loucura generalizada e mal-otimizada em tela e a framerate cai. Em um momento, o jogo travou completamente e tive que reiniciá-lo. Bizarramente, isso tudo fica parecendo parte do charme do jogo e do próprio humor dele. É algo estranho de dizer, pois geralmente eu sou bem crítico com esses aspectos. Mas aqui faz sentido, de certa forma? Acho que o jogo seria mais estranho se fosse tecnicamente impecável. Mas ele também é quebrado demais às vezes.
Quando eu era criança, assisti várias vezes o filme Todo Mundo em Pânico 3, que era uma sátira de O Chamado com Sinais com Matrix e detalhes de diversos outros filmes populares da época. Eu era muito novo (e cagão) para assistir O Chamado, mas a versão satirizada me divertia. Minha interpretação é que Goat Simulator 3 é praticamente o Todo Mundo em Pânico dos games.
Talvez não seja algo super inovador, pois parece que nesta era da Internet, toda obra de comédia tenta trazer referências a obras nostálgicas como forma de engajar com sua audiência. E o pior é quando não há uma piada, apenas uma referência, tentando arrancar uma risada da audiência. Goat Simulator 3 consegue ir um pouco além das referências isoladas e conseguiu me render umas risadas legítimas no processo. Por exemplo, numa convenção de animes no jogo, há um pôster para Fan Fantasy XXX2 — eu achei engraçado, porque não está apenas dizendo “você gosta de Final Fantasy? Nós também gostamos.” Está pegando um elemento de Final Fantasy, que é a numeração dos jogos, e levando a um ponto cômico, na beira do absurdo, mas que nos faz pensar “será que daqui a uns anos vamos jogar Final Fantasy Trinta-Dois mesmo?”
Algumas referências vão muito além de detalhes do cenário e são de fato fases jogáveis. Não vou entregar aqui quais são elas, pois parte da graça é justamente descobrir elas, mas digo que fãs de jogos de terror e de tiro clássicos estão bem servidos. As referências vão um pouco além dos videogames, como por exemplo uma fase que é um galpão da Ikea (o jogo é, afinal, sueco).
Outras situações são sátiras não de jogos específicos, mas de algumas convenções dos games, ou simplesmente alguma quebra de expectativa inusitada. Essas situações são sempre mais divertidas com outras pessoas por perto, então continuo recomendando o modo co-op para quem puder.
Com 7 horas e pouco de jogo, cumpri todas as missões principais, abri a porta dos Illuminati, estabeleci a Nova Ordem Bodeal e cheguei ao final da jornada do Sr. Bode (ou Sra. Cabra, realmente não sei). Após isso, não tem muito o que fazer no jogo fora completar os instintos e organizar uma fanfarra pelo mundo. Ou, se você quiser, pode curtir alguns momentos pacíficos no calçadão de Capracabana. O jogo está disponível para PS5, Xbox Series X|S e PC via Epic Games Store.
Comentários
Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.
O sorteio vai ser ao vivo via live???
Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)
Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.
Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png
cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...
Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público
Agora sim vou ter meu switch o/
Sim!
Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?
Reativei minha conta só pra promoção kkkk
Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte
Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!
Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.
sera que agora ganho o
Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.
Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?
Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!
Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)
Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?
? vou seguir o Renan aqui tbm