Uma das coisas que eu mais gosto de fazer é me juntar com alguns amigos para assistirmos a filmes de terror quase toda semana. Esse “ritual” não só serve como uma desculpa para passar um tempo divertido com pessoas que gosto, mas também como uma oportunidade bacana de apresentar filmes consagrados ou descobrir obras novas. Porém – e principalmente se tratando do gênero em questão – a maioria desses encontros na verdade se resumem a ver filmes baratos, com efeitos ruins, atuações risíveis e roteiros piores ainda.
Essa experiência pode parecer horrível no papel, mas no fundo é interessante e consegue por vezes ser muito divertida dependendo do filme. Talvez seja por isso mesmo que a Supermassive Games, após o sucesso do competente Until Dawn, resolveu criar a The Dark Pictures Anthology, cujos jogos focam exatamente nesse nicho. The Devil in Me, quarto e último título da primeira temporada da antologia, procura explorar uma trama menos sobrenatural e mais realista que seus antecessores, usando como gancho a história do “primeiro serial killer americano”, H. H. Holmes, mas o resultado se aproxima muito mais dos filmes bobos do gênero que dos clássicos cult.
The Dark Pictures Anthology: The Devil in Me tem muito em comum com os jogos anteriores da antologia no que diz respeito à sua estrutura: somos apresentados a um grupo de cinco personagens, cada um com suas particularidades pessoais e de relacionamento uns com os outros, e que são postos numa situação extremamente perigosa na qual todos podem sobreviver ou morrer, dependendo das escolhas dos jogadores. O que difere The Devil in Me de jogos como Man of Medan é que desta vez não há um elemento sobrenatural que dite o horror da trama, apesar de tentar enganar o jogador do contrário
No fim do século XIX, mais precisamente no ano de 1896, um homem chamado H. H. Holmes ficou conhecido como o responsável pela morte de aproximadamente 200 pessoas (apesar de só ter confessado 27 destas), se tornando o “primeiro serial killer americano”. Por esse motivo, na altura de sua execução, ele famosamente exigiu que seu corpo fosse enterrado debaixo de concreto, já que ele alegava possuir o “demônio dentro de si” e seria uma garantia de que ele não voltaria do além e isso evitaria que ele matasse mais pessoas.
Cortando para o século XXI, no ano de 2022, um grupo de documentaristas da Lonnit Entertainment está tendo dificuldades para terminar sua mais recente série documental a respeito de assassinos famosos. A estrela do episódio em questão é justamente H.H. Holmes e, por sorte, um ricaço chamado Granthem Du’Met entra em contato com a equipe e se revela um aficionado pela história do serial killer, sendo inclusive dono de uma réplica perfeita do Hotel da Feira Nacional, palco de vários dos assassinatos de Holmes.
A equipe, composta pelo diretor Charles Lonnit (Paul Kaye), pela jornalista Kate Wilder (Jessie Buckley), pelo câmera Mark Nestor (Fehinti Balogun), pela técnica de luz Jamie Tiergan (Gloria Obianyo) e a estagiária responsável pelo som Erin Keenan (Nikki Patel), logo topam ir até a ilha de Du’Met a fim de captar imagens da réplica do hotel, que contribuiria muito para a dramaticidade e engajamento do documentário.
Curiosamente, Charlie pouco sabe sobre Du’Met e mesmo assim aceita o convite em nome da equipe, coisa que em pouco tempo se prova um erro, já que a tal réplica do hotel esconde muito mais do que se possa imaginar à primeira vista, sendo recheada de armadilhas, autômatos macabros e, claro, uma versão “moderna” de Holmes querendo matar todo mundo num misto de Jogos Mortais com um Jack Torrance endinheirado.
Os problemas de The Devil in Me, infelizmente, já começam justamente em seu roteiro e nas suas atuações. Embora a premissa seja minimamente interessante e tenha potencial (seja por se basear na história de um serial killer que realmente existiu, seja pelo potencial criativo do que poderia ser feito no hotel), o jogo pouco melhora em questão de elegância de escrita se comparado aos seus antecessores. Ele possui momentos até que divertidos quando o assassino persegue os personagens, mas a execução é apenas um pouco superior à de Little Hope (pior jogo da antologia em minha opinião), mas ainda fica muito aquém do que foi alcançado pelo estúdio em Until Dawn, sem contar que todo o ritmo da história permanece truncado por mais da metade da campanha.
A impressão que isso tudo deixa é que a Supermassive acaba por fazer os jogos da antologia de maneira praticamente automática e em linha de produção, até pelo intervalo entre cada jogo ser muito curto – e vale lembrar que o estúdio ainda lançou The Quarry neste mesmo ano.
The Devil in Me até traz alguns personagens que poderiam se sobressair, mas a ruindade dos diálogos, a quantidade de animações duras que comprometem a atuação (seja em cenas importantes ou não) e também a performance mediana de alguns atores facilmente estragam qualquer resquício de imersão que um jogo desse tipo exige.
Qualquer pessoa que já tenha jogado algum outro título da Supermassive Games ou algo do David Cage provavelmente deve saber o que esperar de The Dark Pictures Anthology: The Devil in Me no lado do gameplay. Assim como nos outros jogos do gênero, nós tomamos controle de diversos personagens diferentes e devemos explorar cada “cena” da história de maneira linear enquanto coletamos informações que desenvolvem a “lore” daquele universo, interagimos com outros personagens nos diálogos e, claro, passamos por uma dezena de Quick Time Events.
Devil in Me segue essa mesma fórmula quase que em sua totalidade, mas também acaba por ser o primeiro jogo da antologia a trazer novidades e tentar algo diferente. No caso, o título apresenta uma perspectiva inédita de câmera para a série (enquanto nos outros ela é fixa, neste nós a controlamos totalmente com o analógico direito), adiciona um sistema básico de inventário e itens exclusivos para cada um dos cinco personagens.
Charlie, por exemplo, tem um cartão que permite abrir certas gavetas. Mark, caminha munido de sua câmera e pode usar o flash para iluminar lugares escuros, enquanto pessoas como Erin, além de terem uma lanterna, precisam de uma bombinha para asma, que deve ser usada estrategicamente – ou ao menos era essa a intenção no papel.
Somando a essas novidades, os personagens de Devil in Me têm um botão dedicado a correr e também podem escalar elevações, pular plataformas e arrastar objetos para resolver quebra-cabeças. É meio que como um primo anêmico das mecânicas de um A Plague Tale, por exemplo.
Há um foco maior em colocar puzzles em determinados pontos do jogo e, pelo menos na minha jogatina, houve menor prevalência de QTEs se comparado a Man of Medan ou Until Dawn. Isso, infelizmente, me pareceu um erro considerável, já que foram inúmeros os pontos do jogo em que eu preferiria que tivessem alguma implementação de QTE ao invés da cena simplesmente rolar automaticamente e tirar o controle das minhas mãos. Essa opinião, inclusive, é repetida pela pessoa que jogou Devil in Me comigo, já que optei por jogá-lo da mesma forma que vejo muitos filmes de terror: com um amigo.
Os jogos da Supermassive honestamente trazem uma ideia muito bacana no sentido de oferecer a opção de jogarmos os títulos sozinhos, com até quatro amigos localmente ou com apenas um pela internet. Isso é uma faca de dois gumes, porque a experiência pode tanto ser magnífica e memorável quanto uma piada completa. Devil in Me se coloca mais nessa segunda categoria por todos os problemas de narrativa e atuação que citei lá em cima.
O que deixa a coisa mais triste é que, como se não bastassem tais problemas, o game ainda tem escolhas ruins de game design. É simplesmente incoerente que muito da trama seja desenvolvida por meio de documentos espalhados pelo hotel ao invés de entregue de maneira mais orgânica ao jogador e isso vale não só para a experiência solo como acaba sendo pior ainda no multiplayer. Sejamos francos: poucas pessoas ficarão lendo documentos ou ouvindo gravações enquanto estão jogando com outras pessoas.
The Devil in Me também deixa um gosto amargo na boca por ser o jogo mais tecnicamente problemático e menos polido que joguei em 2022. Foram inúmeras as vezes que precisei reiniciar o jogo por algum problema de progressão, seja porque a câmera resolveu parar de funcionar, algum ícone de comando insistia em não aparecer na UI ou meu amigo tinha algum problema no jogo dele.
Lá em cima eu falei que um dos fatores principais para o sucesso de um jogo do gênero é a imersão e Devil in Me consegue estragar isso ao também trazer inúmeros bugs de texturas, carregamento de assets e personagens desaparecendo e reaparecendo quando sequer deveriam estar em cena. Isso tudo, somado a um level design datado e uma divisão ruim entre seções de exploração, ataques do assassino, revelações meia-boca e personagens pouco carismáticos, jogam a experiência no lixo.
Comentários
Olha... excelente texto. Esse é um problema que eu já vinha discutindo em meus círculos de amizade ha um bom tempo. Isso fica ainda mais evidente quando percebe-se a necessidade das grandes publishers de seguirem tendencias mais lucrativas não afetam apenas o game design em si, mas também as temáticas, narrativas, e até mesmo a direção de arte dos games. Vide a enxurrada de jogos de zumbis que tivemos na geração passada... Por falar em indies, eu vejo muito potencial para que os próximos AAA inovadores saiam deles. O orçamento ainda é um problema, mas financiamento coletivo já é uma realidade. Acredito que equipes extremamente competentes e comprometidas consigam levantar fundos para levar adiante o desenvolvimento de jogos desse nível.
O sorteio vai ser ao vivo via live???
Obrigado Igor! Seja bem-vindo ao Nintendo Fusion :)
Rapaz, que texto foda! Parabéns Renan! Fico cada mais feliz em ser Nintendista em tempos como esse (apesar de ainda não ter um Switch), saber que a Nintendo rema pesado contra essa maré cheia de lixo. Recentemente o designer da BioWare, Manveer Heir (Mass Effect) compartilhou que a EA só tem foco mesmo nas microtransações, que ainda viu gente gastando 15 mil dolares com cards de multiplayer do Mass Effect 3. Pra piorar agora tem o sistema de Loot Box, que está na moda, e a Warner empolgou com o Shadow of Mordor. Loot Box pra fechar campanha ou pra tentar competir online nos jogos, pra mim isso é praticamente o fim. A única esperança que tenho nessa industria que amo tanto são mesmo nos indies, Nintendo e algumas empresas. Espero que a Activision não estrague a Blizzard, pq apesar de Overwatch ter Loot Box, são completamente cosméticos, e eu acho isso bom até, pq jogar pra desbloquear coisas visuais é muito mais interessante e prazeroso que jogar pra tentar a sorte com um item específico pra ser mais competitivo com upgrades no status do personagem.
Não aparece para você no começo do texto? https://uploads.disquscdn.com/images/b809b035a7e4e21875dfe6af44cc2d10dccbe7c3eea556e1be57fe8018d72a32.png
cadê o tal formulário do Gleam? não vi link nenhum no texto... tá mal explicado isso...
Das publicadoras de games, a EA é sem duvidas a pior. Não foi atoa que foi escolhida como a pior empresa americana por dois anos consecutivos. Não quero parecer um hater, mas é essa filosofia de shooters multimilionários, com gráficos de ponta e extorquimento de dinheiro dos consumidores é que vai fazê-los fechar as portas. Isso fica evidente com o “apoio” da empresa ao Switch, não souberam mais uma vez ler o sucesso do console, e repetem os mesmos erros de uma década: investir pesado em gêneros supersaturados. E é interessante notar como o Iwata foi capaz de enxergar uma realidade mais de uma década á sua frente, e feliz que cada vez mais empresas adotam essa estratégia: jogos de menor orçamento e maior foco no público
Agora sim vou ter meu switch o/
Sim!
Qual é a exceção "imperdoável"? Chrono Trigger?
Reativei minha conta só pra promoção kkkk
Cara, não uso Twitter. Até tenho, mas nem lembro senha nem nada. Vamos ver se tenho sorte
Parabéns à todos nessa nova empreitada, o site é promissor!
Acho que o único defeito desse game foi ter requentado muitas fases, poderia ter sido apenas a GHZ, por exemplo. Mas fora isso é impecável.
sera que agora ganho o
Precisa compartilhar no Facebook. Nos outros lugares é opcional.
Eu preciso compartilhar o sorteio pelo facebook? Ou é preciso compartilhar em outro lugar?
Felipe Sagrado escreva-se em tudo para aumenta a change brother!!!!
Você pode participar sim, só não vai poder obter os dois cupons relacionados ao Twitter. :)
Boa tarde. Eu não uso o Twitter, então gostaria de saber se isso impede minha participação ou só diminui minhas chances?
? vou seguir o Renan aqui tbm